Quarentona na quarentena

Nos meus 40 anos, havíamos planejado viajar para o local onde tudo começou. Onde índios e portugueses se viram pela primeira vez. Onde foi rezada a primeira missa.

A terra da primeira capital do Brasil. De mestres, de gênios, de música, poesia, axé, gente boa. Terra onde, por um desses desvios da vida, eu nasci, mas não cresci. 

Foi ao som de Roberto Carlos que minha mãe deu à luz. Parto naturalmente a fórceps, no hospital que leva o nome dos colonizadores, num bairro cheio de Graça. Jesus Cristo, eu estou aqui!! Eu ainda estou aqui!!  

Logo que vim ao mundo, meu avós paternos me presentearam com o vinil da Tropicália ou Panis Et Circensis. Só fui entender, de fato, o que esse movimento significou para a cultura popular brasileira perto dos 18 anos, na época em que eu costumava cultivar sonhos e realizar alguns deles, como entregar esse mesmo disco para o Caetano e boa parte da turma tropicalista autografar. 

Caetano leu a dedicatória dos meus avós e achou lindo!

Nessa época, um famoso mago roqueiro também escreveu pra mim: “seja fiel aos seus sonhos”. Quem sabe ainda encontro o papel de carta escrito à mão e que se perdeu na mudança. O importante é que seu recado ficou guardado no meu peito. 

Ainda tenho sonhos. Vários. Mas, de uns tempos pra cá, parei de fazer planos, porque o mundo muda a todo instante, como na letra do Nelson Motta. E, como dizem, a nossa única certeza é que o universo está em constante mudança. De modo que não me abala ficar em casa. De jeito nenhum. Amo a minha casa. Aprendi a conviver com meu corpo.

O que eu mais quero de presente é um prognóstico de vida. Que a minha vida recomece aos 40. Um aprendizado e um recomeço. Só peço que meus amigos de fé e irmãos camaradas continuem com saúde. Principalmente  Totônio. Que o guri se mantenha firme e fiel à energia radiante que só ele sabe irradiar para encararmos essa guerra dupla de cabeça erguida e sorriso aberto. Para enfrentar os inimigos – ou desafio – um invisível e outro palpável. 

Que ele seja meu guia, meu salvador. 

Dia desses, cheguei a comentar que um meteoro deveria cair na Terra e acabar logo com essa agonia pandêmica. Na verdade, deveria ter dito um asteroide. Pra dar um reboot. Começar tudo de novo. Tivemos a nossa chance desperdiçada pela ignorância, pelas “cabeças dinossauro”.

Pois eu agora bato na boca e só peço mais uma chance.

De fato, esse asteroide me atingiu num tamanho proporcionalmente menor, mas com potencial destrutivo considerável. Pra analisá-lo foi preciso uma agulha calibre 14 que sugou cinco pedacinhos dessa massa amorfa cujo nome ainda me é assustador. O lado negro da força, enfim, me atingiu. 

The dark side of the moon. Depois de tantos eclipses no ano passado, agora eu olho pro céu e tento encontrar o cometa Neowise. Esses corpos celestes sempre foram sinal de mau agouro.

Lembra do Halley? Coitado. Foi amaldiçoado, excomungado e culpado de semear a peste negra. Hoje é o último dia pra pedir um pouco de sensatez a esse cometa.

Por isso, quando Totônio começou a chorar porque eu comi um pedacinho da azeitona dele, sinto muito, eu tive que dizer:

_Totônio, você não tem o direito de chorar por causa de uma azeitona, mas eu posso chorar por causa de um caroço.

_Mamãe, você não pode comer o caroço!

Bem, como é que eu vou explicar que esse caroço pode me devorar? E que esse caroço apareceu justamente no peito em que ele mamou? Como? 

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O primeiro disco que ganhei na vida.

2 comentários em “Quarentona na quarentena

  1. Confie em você mesma é na sua gigantesca capacidade de transformar esse caroço num asteróide, daqueles que riscam o céu com rastro preocupante, mas que não passam disso: um rastro. Mas que ele sirva, também, pra você ver o quanto somos pequenos e que a felicidade, aquele momento, pode estar no choro ou no sorriso do Totônio. Ou em um abraço. Ou no nascer ou pôr do sol. Ou… onde você se sinta bem!
    👏👏👏🥰🙏🥀

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