“Já foi o tempo em que os vizinhos se reuniam para tomar erva juntos”, disse indignada, num tom triste, uma mulher adepta de chimarrão, que mora na mesma rua onde um técnico em informática fora assassinado pelo próprio vizinho numa dessas noites quentes do inverno de Curitiba.
Um colega da imprensa lamentou o ocorrido. “A erva hoje é outra”, referindo-se à maconha. Enquanto esperávamos por mais informações que completassem a história do assassinato, a conversa desenrolava. “Hoje, a erva não é o pior problema, mas o crack, a pedra”, emendei.
O papo termina. A mulher de M., a vítima, chega correndo, provavelmente do trabalho. Vestida de preto, a moça passa transtornada pela viatura estacionada na rua e invade o portão de casa. Ela, o marido e o filho moram na casa da frente, compartilhando o mesmo terreno com o assassino.
A moça encontra M. estatelado no quintal que separa as residências. A viúva grita. “Maconheiro. Ele tem que ir para a cadeia!”. Ainda posso ouvir sua voz latejando na minha cabeça.
Policiais e o motorista do IML impedem que a jovem se aproxime do morto, evitando que ela interrompa ou atrapalhe o minucioso trabalho do perito. M. levou um golpe de 15 centrímetros perto do ombro. Perdeu muito sangue. Morreu na hora.
Antes de tomar um chá de sumiço, a esposa do assassino comentou que os dois vizinhos brigaram por causa de um mísero pen-drive. Não sei de onde tiraram a informação, mas apuraram que M. teria vendido o objeto para o vizinho, que não pagou. Ele foi cobrar a dívida e levou uma facada. Simples. Estranho.
Quando cheguei ao local e soube do ocorrido, a primeira pergunta que me veio na cabeça era: mas, afinal, o que havia nesse pen-drive a ponto de custar uma vida?
Tudo indica que era música.
O perito encontrou o equipamento plugado no som do vizinho. Depois de analisar o corpo, ele não acreditava que o real motivo era o maldito pen-drive. “Até achei que tivesse uma lista de traficantes gravada nele, mas acredito que isto não foi o objeto do crime”, desconfiou.
Os vizinhos também comentaram que, nos curto período de tempo em que o matador estava morando ali, percebiam o constante movimento de pessoas e veículos em frente à residência. Foi a erva ou o pen-drive?*

*Texto escrito em 14/07/2011 durante o período em que trabalhei como repórter policial. Seria publicado num blog criado e esquecido por mim.
Você deve ter visto ou ouvido várias histórias durante sua ainda muito breve passagem por redações. Eu creio que as pessoas merecem “ouvi-las”.
Como é feita a história? Alguém ouve ou vê e passa adiante. Você é uma dessas intermediárias. Cumpra seu papel. Você sabe faze-lo com maestria.
🙏👏👏👍
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São muitas histórias mesmo. Pena que não passeia adiante quando estavam fresquinhas na cabeça. Mas a memória ainda guarda algumas. As piores. Obrigada!!
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