Meu nome é Janaina, sem acento

Você já parou pra pensar por que se chama Pedro? Maria? Ou Carolina? Qual a origem do seu nome e o que ele significa? Por que seus pais decidiram chamá-lo dessa maneira?

O nome é nosso cartão de visitas e parece até incorporar muito da nossa personalidade. Os meninos, por exemplo, quando recebem o nome do pai, transformam-se em Júnior. E do avô, em Neto, tipo nome de jogador de futebol, não é mesmo? Meu filho, por exemplo, tem nome composto, de santo e imperador: Marco Antônio. Nomes compostos funcionam muito na hora da bronca. Quando estou muito brava, é: “Marco Antônio, venha já pra cá!!”

No Brasil, de acordo com o último Censo Demográfico, de 2010 (sabe-se lá quando será o próximo), existem cerca de 200 milhões de habitantes com mais de 130 mil nomes diferentes. 

Ou seja, nosso país é um verdadeiro caldeirão repleto de nomes diferentes, devido às várias etnias que influenciaram nossa cultura, entre elas a africana e indígena. Aposto que você tem um amigo, conhecido ou até mesmo parente cujo nome tem origem na língua africana iorubá ou tupi. 

Eu, por exemplo, me chamo Janaina. Jana para os íntimos. Muito prazer!

E assim me chamam porque um belo dia, no final dos anos 70, meu pai escutou esse nome peculiar vindo do apartamento do vizinho e achou diferente. Além disso, uma das primeiras “janainas” famosas foi a filha de uma atriz de sucesso na época, a Leila Diniz (como diz a recente música do Caetano).

Minha mãe queria Juliana (que tá na música do Gil), mas, quando nasci, ela foi voto vencido. E Janaina veio ao mundo, em Salvador, Bahia, a primeira capital do Brasil, pertinho de Porto Seguro, por onde os portugueses “chegaram” (ou invadiram) o Brasil. Terra onde desembarcaram milhões de negros escravos.

Pra entender de onde surgiu meu nome, precisamos lembrar a história dos africanos e dos indígenas, dois povos que sofreram com a escravidão durante o período colonial. Primeiro, vamos falar dos iorubás. A maioria dos escravos que vieram para o Brasil era de origem iorubá. 

Antes de os portugueses chegarem à África, há milhaaaares de anos, os reinos iorubás eram constituídos por diversos povos e sociedades que habitavam as regiões sul, sudeste e sudoeste dos rios Níger Benué.

Historiadores dizem que, nessa área, viviam os povos de línguas edo, idoma, iorubano, ibo, ijó, igala, nupe, entre outros de origem linguística níger-congo. 

O povo iorubá, portanto, é formado por grupos que têm como ancestral comum Odudua, fundador de Ifé, considerada o núcleo inicial das demais cidades desse povo. Os iorubás surgiram na África ocidental, entre o sudoeste da atual Nigéria e Benim, que era uma espécie de miniestado subordinados a Ifé e foi fundado pelos povos edos. Era organizado por um chefe (ovie/ogie), representante da unidade de várias comunidades administrativas, pelas linhagens e pelos grupos de anciãos. Os mais velhos tinham o poder de legislar sobre as terras e os costumes das aldeias agrícolas, além de orientar o trabalho de alguns grupos. 

Os problemas e disputas na comunidade eram resolvidos nos santuários criados em homenagem aos ancestrais. As funções administrativas e políticas eram divididas de acordo com a hierarquia de geração. Os adultos cuidavam da proteção e das atividades principais, enquanto os mais novos eram encarregados de pagar os tributos ao obá (rei).

Em termos econômicos, os reinos iorubás não eram grandes produtores agrícolas, pois as terras não eram muito férteis. Apesar disso, cultivavam inhame, melão, feijão, pimentas-de-rabo, anileiras e algodão. Como eram entreposto de mercadores, o que mantinha o povo era o comércio. Eles se expandiram em direção às rotas comerciais com o intuito de controlar as atividades mercantis e dominar outros pontos, como Aboh, Onistsha e Eko.

Se analisarmos a história dos povos africanos, vamos perceber que a escravidão já existia por lá. Lembram do Egito? País da Cleópatra (que se casou com Marco Antônio… olha lá, nome do meu filho).

Pois bem, a escravidão remonta à Antiguidade na África e pode ser dividida em três tipos:

Na doméstica, os escravos eram aqueles que cometiam crimes, ou que eram “vendidos” pela família por questão de sobrevivência. A expansão do islamismo também fez muitos daqueles que não se convertiam na religião em escravos. Já no terceiro tipo entram em cena os europeus, mais precisamente nossos colonizadores, os portugueses. Estamos no século XV, época da expansão marítima comercial, quando 11 milhões de africanos viajaram para a América, nos chamados navios negreiros, na condição de escravos. Mais de 5 milhões vieram parar no Brasil. É um absurdo de gente, não acham?

Indígenas e o arrastão

Outro povo que sofreu nas mãos dos portugueses foram os índios. Na verdade, os indígenas (que é o termo mais adequado e menos pejorativo), foram os primeiros a serem escravizados depois que o Brasil foi “invadido” pelos portugueses, em 1500. Só no século XVI, os africanos vieram para cá. 

E onde os portugueses desembarcaram? Em Porto Seguro. Seguro pra quem?

Portanto, muita gente quando me conhece deve pensar que eu me chamo Janaina porque nasci na Bahia. Afinal, existem muuuuuitas músicas com o meu nome, como “Arrastão” na voz de Elis Regina.

Existem algumas teorias em relação à origem do nome Janaina. Alguns pesquisadores acreditam que surgiu do sincretismo de crenças e lendas africanas e indígenas. Fato é que Janaina é um dos nomes de Iemanjá, um dos orixás que simboliza a divindade do mar conforme a tradição dos cultos afro-brasileiros. 

O dicionário dos nomes vai nos dizer o seguinte: Iemanjá se originou a partir do idioma iorubá: Yemoja, uma contração de Yeye mo oja, que significa “mãe dos peixes”. Mas há lendas que contam que Janaina era uma bela moça que teria nascido na tribo dos Goitacás, região sul do atual estado do Espírito Santo. Além de “deusa do mar” e “rainha dos peixes”, Janaina também seria a protetora das donas de casa, sendo chamada de “rainha do lar”!

Outra hipótese: a de que o nome seria uma adaptação do nome português “Jana”, que em Portugal e em algumas partes da Espanha, é uma espécie de ser mágico, fada do rio ou sereia. 

Segundo o Censo, existem 210 mil Janainas no Brasil. Muitas delas aqui no Sul. E o Estado com maior número de homônimas é Pernambuco. Que curioso! O ápice das Janainas ocorreu mesmo nos anos 80.

O único porém do meu nome é quando eu encontro algum estrangeiro. Os gringos, principalmente nativos da língua inglesa, definitivamente não conseguem pronunciar o “í” tônico, mas isso é o de menos. O que importa é a gente ser feliz com o nome que carregamos!

E existem muitos nomes de origem africana: Tainá, Cauã, Iara, Cauê, Kauane, Caíque. Eu tinha uma amiga que se chamava Tainá (que tem origem tupi-guarani e significa “estrela“), que, olha só, virou nome de filme. 

Pois bem, a contribuição dos africanos e indígenas para cultura brasileira é indiscutível, mesmo porque esses dois povos formam a base da nossa história: 54% da população do nosso país é formada por negros, segundo o último Censo do IBGE. Ainda sim, convivemos com o preconceito.

E os nomes são justamente um reflexo disso. Apesar de conhecermos vários nomes próprios de origem iorubá e tupi, por exemplo, a maioria dos nomes “brasileiros” são europeus. 

Alguém saberia me dizer qual é o nome mais comum entre as mulheres?

Quem disse Maria, acertou!!!

E homem??? Será José ou João??

Enfim, não temos nenhum nome indígena ou africano no top dez. A maioria é de nomes de origem hebraica, de personagens bíblicos e santos católicos, um forte resquício da colonização. Somos uma nação de Marias, de Paulos, Pedros, Franciscos e… Antônios. Pimba, eu mesma entrei na estatística ao batizar meu filho com nome de santo. Santo imperador Totônio.

O vírus e a corrida do álcool gel

Tempos de crise deveriam servir de ensinamento para evoluirmos enquanto pessoas, amigos, irmãos, enquanto seres humanos. Essas fases cíclicas pelas quais passamos deveriam provocar em cada um de nós um momento de reflexão. Pararmos um instante de olhar para o nosso umbigo e enxergarmos ao redor a fim de tentar, pelo menos, entender o motivo de tudo isso. 

Mas, por enquanto, não é o que ando percebendo por aí. Lembro que quando surgiu o temido H1N1, a personagem mais cobiçada da história era o álcool gel, produto que novamente está fazendo a fama com a chegada desse novo vírus, antes chamado de corona, agora de Covid-19. 

Teorias da conspiração à parte (será que foi criado em laboratório para a China, enfim, dominar o mundo?), a disseminação desse vírus mutante, que se espalha com mais rapidez do que o vírus da gripe comum e do H1N1, já provocou uma mudança radical no cotidiano da população mundial. Países em quarentena, pessoas isoladas, evitando contanto humano, trabalhando remotamente. Soa a mim um tanto metafórico. Se às vezes nos queixamos que as redes sociais nos repelem fisicamente, veio um vírus para nos separar de vez. Na Itália, pessoas pegam os ônibus sem abrir a boca com medo do contágio. Nesse mesmo país, moradores tentam passar o tempo cantando nas sacadas dos prédios.

Ao meu redor, porém, os hábitos continuam os mesmos. Pessoas reclamando que não conseguirão dar conta de trabalhar em casa e ao mesmo tempo cuidar do filho, impedido de ir à escola. 

Tomando o exemplo do restante do mundo e já vislumbrando o que poderia ocorrer conosco, imaginei que se fosse ao mercado dali uma semana não encontraria mais álcool gel, ou papel higiênico. PH ainda tem, mas o álcool, ah, esse só no mercado negro agora. Até armazéns que vendem produtos a granel estampam na vitrine: “temos álcool gel”. 

Hoje fui à farmácia para comprar o leite em pó do meu filho. Num intervalo de cinco minutos, duas pessoas perguntaram sobre o álcool. Uma mulher apavorada queria saber quando era a previsão de chegada.

Num mercado perto de casa acabou até o suco de laranja. Eu me pergunto: quem toma tanto suco de laranja em 15 dias? Será que quando saímos de férias parece que o mundo vai acabar também? 

Ora bolas, desde a pandemia de H1N1 deveríamos ter mantido esse hábito de usar álcool gel. E se não tem o tal álcool 70, use vinagre. Adapte-se. Crises são feitas para isso. Pare de reclamar e passe a meditar. Aproveite esse tempo, que sejam 40, 15 ou 7 dias, para refletir sobre seu estilo de vida, para ficar perto da família, para pensar na paranoia em que vivemos hoje. 

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Foto por Bruna Tovar Faro em Pexels.com

Portanto, acredito que a evolução do ser humano, no sentido de exercer a compaixão, a paciência, a empatia, mudar o foco para o outro, está longe de acontecer. O egoísmo, o desespero e o medo são tão contagiosos quanto um vírus. 

A desordenada mala da vida

A mala que guardou os macacões, as mantinhas, o cobertor, as fraldas, as luvinhas e sapatinhos de crochê – e acompanhou toda a espera do nascimento do primeiro e, talvez, único filho – agora vai e volta da segunda casa de Totônio. É um ir e vir com o qual ainda não me acostumei. 

A bolsa de fundo branco, riscas azuis e alça bege não se parece com malinha de bebê, que normalmente tem estampada uma coroa de príncipe. Nunca quis uma mala de príncipe. Acho kitsch demais. 

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Mascotinho do Totônio.

Como há quatro anos, a bolsa é novamente arrumada com capricho e cuidadosamente preparada para que nada falte, principalmente o coelhinho, o bichinho de pelúcia sem nome, que Totônio ganhou dos avós maternos na sua primeira Páscoa, aquela festa que representa a ressurreição de Jesus Cristo. A foto de Totônio com seis meses de vida, no bouncer de olhos arregalados, segurando o coelhinho, está pendurada num quadro na parede. O bichinho de pelúcia agora tem outro significado: transformou-se num objeto de transição, que leva o cheirinho do “lar oficial” de Totônio para sua outra casa.  

Quando a mala retorna, às vezes é difícil encontrar o mascotinho na bagunça: roupas limpas entrelaçadas com usadas, pijamas misturados com roupa de sair, cuecas embaralhadas com meias. Eu olho para o estado dessa confusão e me deprimo um pouco, porque me parece falta de cuidado, de atenção, de zelo, de carinho. Olhar para essa mala me passa uma sensação ruim, não só porque lembra união e separação, início e fim, mas, sobretudo, porque representa o estado de confusão que Totônio e eu estamos atravessando.

O modo como tudo é despejado e socado dentro da mala talvez seja a metáfora da pressa motivada por outro verbo com o qual também não me habituei: devolver. “Que horas posso devolvê-lo?”. Como se Totônio fosse uma coisa ou um carro ou um sei lá o quê. Nós devolvemos objetos dos quais não gostamos, devolvemos ainda o carro alugado, o vestido de festa emprestado, mas não crianças, filhos. 

Talvez fosse mais fácil superar determinadas fases da vida se conseguíssemos devolver sentimentos. “Meu amor por você se desgastou. Quero devolvê-lo. Toma aí”. E assim como numa prateleira vazia, um espaço desmemoriado em nosso ser estivesse pronto para receber uma nova dose de amor. Só que na vida real, dos plebeus, não funciona desse jeito.

Totônio, na verdade, não dava muita bola pro coelhinho, mas os dois foram obrigados a criar laços fortes e seguir lado a lado, da Páscoa ao Natal, essa festa que representa o nascimento de Jesus Cristo. Essa festa que costuma reunir as famílias em torno de uma mesa gigante com comida farta, amor farto, bebida farta e, por vezes, confusão farta. A confusão da mala. Na vida de Totônio, tudo é em dobro agora: casa, Natal, presente; talvez um dia, família. Meu desejo maior é que o amor, esse sentimento irreversível, venha sempre em dobro para Totônio nessa mala desordenada que é a vida.

Um acidente a caminho da escola

De carro ou a pé? – perguntei ao Totônio.

_ Pelo caminho, por aqui – respondeu o menininho cabeludo. Dois anos ele tem, e agora entra na escola no meio da manhã (pra ver se come melhor, sabe). Estamos atrasados e está prestes a chover. Por mim, colocaria Totônio na cadeirinha do carro e vrummmm. Mas não, o garotinho prefere ver as abelhinhas, as borboletas, o cachorro Jango. Prefere constatar que recolheram os galhos cortados que haviam sido deixados no meio da calçada.

Hoje, porém, estava incrivelmente chovendo. Chuva fina, mas pelo céu escuro, o toró cairia a qualquer instante. _ Vamos colocar o capuz, Totônio.

Peguei o guarda-chuva no carro e fomos nós, empurrando a mala de rodinhas de super-herói. _ Ih, mamãe, não, tem abelhinha…, resmungou Totônio. _ Elas não trabalham na chuva, xuxu.

Quando saímos do prédio, a chuva parou. Vamos tirar esse capuz e dar bom dia para as pessoas. Quem sabe encontramos alguma borboleta.

Ao virar a esquina da rua onde fica a escola, o cenário estava diferente, meio conturbado. Calor. Tiramos o agasalho. O guarda-chuva pendurado na mala. Totônio insiste em se desvencilhar da minha mão. Ele se solta pra correr atrás de um joão-de-barro. A mulher do passarinho está rente ao asfalto. Adiante, uma borboleta. Totônio quer sair atrás dela também. Pego firme na mão do meu filho. Explico a ele pela enésima vez que os carros descem a rua muito rápido e podem “passar por cima” do Totônio. Ele aceita e continuamos o trajeto.

_  Vixi, estão cortando a grama da casa do Jango. O cão está guardado, os portões abertos. Temos que desviar. Do outro lado da rua, lavam a calçada em frente ao casarão. Pego o menininho no colo, na marra, junto com a mala, guarda-chuva e agasalho para atravessar naquele trecho. Retornamos ao nosso caminho e nos deparamos com uma van estacionada ali, na calçada. Mais alguns passos e a quadra acabou. Totônio não quer colo. Quer atravessar sozinho. _ Só quando a mamãe disser já, ok?

Ufa, conseguimos!!! Só mais uma subidinha e chegamos à escola. Totônio dá tchau e entra contente. Eu saio de lá e noto que o zelador olha em direção à esquina de cima. E, realmente, percebo um grupo reunido e….um carro capotado. _ Parece que a criança estava na cadeirinha, disse o zelador.

Apesar de evitar ler/ver qualquer relato sobre tragédia desde que Totônio nasceu, precisava saber se estava tudo bem. Você pode largar a profissão, mas a notícia insiste em te perseguir.

Quando olhei para o carro, fiquei paralisada com os brinquedos caídos no asfalto: o trator, o bichinho de pelúcia. Quase chorei. Essa cena me lembrava tantas outras que tive de presenciar quando trabalhava no jornal.

Ao meu lado, um pai, em choque: olhos claros, arregalados, desesperados, segurando no colo o filho de chupeta. E uma mulher, com a mochilinha da criança de uns 4 anos de idade no braço; provavelmente a mãe. Todos usavam cinto de segurança no momento do acidente.

Pergunto se eles precisam de ajuda. _ Está tudo bem. Ninguém se machucou. Também vim aqui ajudar, disse uma moça que estava ao celular e conversando com testemunhas.

Então, percebo um carro, um Subaru vermelho, antigo. E acho que entendi tudo. Provavelmente cruzou a preferencial, como seeeempre acontece aqui no bairro. O pai, vinha descendo a rua, e deve ter jogado o carro no meio-fio e capotado. Como notou um cortador de grama, não deu tempo nem de ele frear: _ Olha, não tem marcas no chão, apontou para o asfalto.

Os pais e a criança foram gentilmente recolhidos a uma clínica médica que fica bem na esquina do acidente. O menino estava apavorado, mas não chorava.

Contei o que tinha acontecido para o zelador que não podia sair de frente da escola. E voltei pra casa, debaixo de chuva forte e aliviada, por chegar a um local de acidente e simplesmente oferecer ajuda e não ser mais obrigada a escrever sobre isso.

 

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Carro capotado. Menino estava na cadeirinha.