Quando eu era “xóvem”, contando 20 primaveras, um dos meus passatempos prediletos era ser rata de sebo de vinil. O meu favorito era o Fígaro, Fígaro, Fíííííígaro, que (graças a Deus e aos donos) ainda funciona na Lamenha Lins, rodeado de prédios antigos lindíssimos.
Eu era apaixonada pelas bolachas, fossem elas da cor laranja, rosa, azul, amarela, ou, o clássico dos clássicos, o disquinho preto. Naquela época, corria os sebos atrás da minha obsessão por completar a coleção de álbuns do Caetano. Lembro da felicidade que senti quando encontrei o primeiro solo dele, que tem Alegria, Alegria, a preferida da minha mãe. Paguei o olho da cara de Tieta, eta, eta.
Assim como os livros que meus pais compravam, os LPs marcaram a minha infância e continuam ocupando um lugar especial na minha vida.
Depois de 70 dias de quarentena, é realmente uma tarefa estafante encontrar opções pra entreter uma criança de 4 anos que salta do Netflix ao YouTube. Do celular à televisão. Da amoeba – que suja o teto, gruda na roupa, me deixa louca – ao jogo de tabuleiro do Toy Story. Do Talking Tom pro Just Dance.
Resolvi, então, fazer um experimento com Totônio e dar uma de mamãe DJ. O guri dispensou logo de cara meu Abbey Road, o último – e um dos melhores – discos gravados pelos Beatles (o último lançado foi Let it be), que virou um tiozinho de meia idade ano passado. Mas resolveu dar uma chance ao disquinho cor-de-rosa com historinhas do arco da velha, que o pai dele ouvia quando pequeno. Achei que Totônio ia torcer aquele narizinho fofinho pro ruído do vinil velho, girando, girando, girando no toca-discos que, diga-se de passagem, não é profissional, mas é bonitinho e cumpre o prometido em se tratando de custo-benefício.
Pensei ainda que o guri meteria a mãozinha de dedinhos compridos na pequena agulha de safira que dura o suficiente para ouvir apenas uns 50 discos. Consegui impedir que ele destravasse a agulha com seu modo sutil e, voilà: surgiu aquela música estridente dando espaço para a voz da Janete Clair, a narradora e célebre autora de novelas.
Totônio estava entretido com um jogo de tabuleiro, mas conseguia prestar atenção às historinhas, bastante significativas, embora curtas. Tanto é que, no dia seguinte, pediu pra ouvir novamente a do Coelhinho e da Raposa.
A raposa tenta comer o coelho de tudo quanto é jeito. O bichinho, de voz irritante, chega até a ficar preso num espantalho, mas consegue escapar do predador. É claro que o verdadeiro sentido da história – que a raposa corre pela refeição e o coelho, pela vida – Totônio vai aprender no decorrer da sua jornada, que já começou um tanto diferente se compararmos a outras gerações.
O que importava messsssmo pra ele, naquele momento, não era saber por qual motivo o coelho conseguiu escapar, mas por que diacho o disco estava girando, girando, girando, girando, girando…
