De carro ou a pé? – perguntei ao Totônio.
_ Pelo caminho, por aqui – respondeu o menininho cabeludo. Dois anos ele tem, e agora entra na escola no meio da manhã (pra ver se come melhor, sabe). Estamos atrasados e está prestes a chover. Por mim, colocaria Totônio na cadeirinha do carro e vrummmm. Mas não, o garotinho prefere ver as abelhinhas, as borboletas, o cachorro Jango. Prefere constatar que recolheram os galhos cortados que haviam sido deixados no meio da calçada.
Hoje, porém, estava incrivelmente chovendo. Chuva fina, mas pelo céu escuro, o toró cairia a qualquer instante. _ Vamos colocar o capuz, Totônio.
Peguei o guarda-chuva no carro e fomos nós, empurrando a mala de rodinhas de super-herói. _ Ih, mamãe, não, tem abelhinha…, resmungou Totônio. _ Elas não trabalham na chuva, xuxu.
Quando saímos do prédio, a chuva parou. Vamos tirar esse capuz e dar bom dia para as pessoas. Quem sabe encontramos alguma borboleta.
Ao virar a esquina da rua onde fica a escola, o cenário estava diferente, meio conturbado. Calor. Tiramos o agasalho. O guarda-chuva pendurado na mala. Totônio insiste em se desvencilhar da minha mão. Ele se solta pra correr atrás de um joão-de-barro. A mulher do passarinho está rente ao asfalto. Adiante, uma borboleta. Totônio quer sair atrás dela também. Pego firme na mão do meu filho. Explico a ele pela enésima vez que os carros descem a rua muito rápido e podem “passar por cima” do Totônio. Ele aceita e continuamos o trajeto.
_ Vixi, estão cortando a grama da casa do Jango. O cão está guardado, os portões abertos. Temos que desviar. Do outro lado da rua, lavam a calçada em frente ao casarão. Pego o menininho no colo, na marra, junto com a mala, guarda-chuva e agasalho para atravessar naquele trecho. Retornamos ao nosso caminho e nos deparamos com uma van estacionada ali, na calçada. Mais alguns passos e a quadra acabou. Totônio não quer colo. Quer atravessar sozinho. _ Só quando a mamãe disser já, ok?
Ufa, conseguimos!!! Só mais uma subidinha e chegamos à escola. Totônio dá tchau e entra contente. Eu saio de lá e noto que o zelador olha em direção à esquina de cima. E, realmente, percebo um grupo reunido e….um carro capotado. _ Parece que a criança estava na cadeirinha, disse o zelador.
Apesar de evitar ler/ver qualquer relato sobre tragédia desde que Totônio nasceu, precisava saber se estava tudo bem. Você pode largar a profissão, mas a notícia insiste em te perseguir.
Quando olhei para o carro, fiquei paralisada com os brinquedos caídos no asfalto: o trator, o bichinho de pelúcia. Quase chorei. Essa cena me lembrava tantas outras que tive de presenciar quando trabalhava no jornal.
Ao meu lado, um pai, em choque: olhos claros, arregalados, desesperados, segurando no colo o filho de chupeta. E uma mulher, com a mochilinha da criança de uns 4 anos de idade no braço; provavelmente a mãe. Todos usavam cinto de segurança no momento do acidente.
Pergunto se eles precisam de ajuda. _ Está tudo bem. Ninguém se machucou. Também vim aqui ajudar, disse uma moça que estava ao celular e conversando com testemunhas.
Então, percebo um carro, um Subaru vermelho, antigo. E acho que entendi tudo. Provavelmente cruzou a preferencial, como seeeempre acontece aqui no bairro. O pai, vinha descendo a rua, e deve ter jogado o carro no meio-fio e capotado. Como notou um cortador de grama, não deu tempo nem de ele frear: _ Olha, não tem marcas no chão, apontou para o asfalto.
Os pais e a criança foram gentilmente recolhidos a uma clínica médica que fica bem na esquina do acidente. O menino estava apavorado, mas não chorava.
Contei o que tinha acontecido para o zelador que não podia sair de frente da escola. E voltei pra casa, debaixo de chuva forte e aliviada, por chegar a um local de acidente e simplesmente oferecer ajuda e não ser mais obrigada a escrever sobre isso.
- Carro capotado. Menino estava na cadeirinha.