A mala que guardou os macacões, as mantinhas, o cobertor, as fraldas, as luvinhas e sapatinhos de crochê – e acompanhou toda a espera do nascimento do primeiro e, talvez, único filho – agora vai e volta da segunda casa de Totônio. É um ir e vir com o qual ainda não me acostumei.
A bolsa de fundo branco, riscas azuis e alça bege não se parece com malinha de bebê, que normalmente tem estampada uma coroa de príncipe. Nunca quis uma mala de príncipe. Acho kitsch demais.

Como há quatro anos, a bolsa é novamente arrumada com capricho e cuidadosamente preparada para que nada falte, principalmente o coelhinho, o bichinho de pelúcia sem nome, que Totônio ganhou dos avós maternos na sua primeira Páscoa, aquela festa que representa a ressurreição de Jesus Cristo. A foto de Totônio com seis meses de vida, no bouncer de olhos arregalados, segurando o coelhinho, está pendurada num quadro na parede. O bichinho de pelúcia agora tem outro significado: transformou-se num objeto de transição, que leva o cheirinho do “lar oficial” de Totônio para sua outra casa.
Quando a mala retorna, às vezes é difícil encontrar o mascotinho na bagunça: roupas limpas entrelaçadas com usadas, pijamas misturados com roupa de sair, cuecas embaralhadas com meias. Eu olho para o estado dessa confusão e me deprimo um pouco, porque me parece falta de cuidado, de atenção, de zelo, de carinho. Olhar para essa mala me passa uma sensação ruim, não só porque lembra união e separação, início e fim, mas, sobretudo, porque representa o estado de confusão que Totônio e eu estamos atravessando.
O modo como tudo é despejado e socado dentro da mala talvez seja a metáfora da pressa motivada por outro verbo com o qual também não me habituei: devolver. “Que horas posso devolvê-lo?”. Como se Totônio fosse uma coisa ou um carro ou um sei lá o quê. Nós devolvemos objetos dos quais não gostamos, devolvemos ainda o carro alugado, o vestido de festa emprestado, mas não crianças, filhos.
Talvez fosse mais fácil superar determinadas fases da vida se conseguíssemos devolver sentimentos. “Meu amor por você se desgastou. Quero devolvê-lo. Toma aí”. E assim como numa prateleira vazia, um espaço desmemoriado em nosso ser estivesse pronto para receber uma nova dose de amor. Só que na vida real, dos plebeus, não funciona desse jeito.
Totônio, na verdade, não dava muita bola pro coelhinho, mas os dois foram obrigados a criar laços fortes e seguir lado a lado, da Páscoa ao Natal, essa festa que representa o nascimento de Jesus Cristo. Essa festa que costuma reunir as famílias em torno de uma mesa gigante com comida farta, amor farto, bebida farta e, por vezes, confusão farta. A confusão da mala. Na vida de Totônio, tudo é em dobro agora: casa, Natal, presente; talvez um dia, família. Meu desejo maior é que o amor, esse sentimento irreversível, venha sempre em dobro para Totônio nessa mala desordenada que é a vida.