Realizei um sonho de infância

Sinto uma enorme satisfação em ter realizado um sonho de infância. Quando eu era criança, não queria ser executiva de multinacional ou presidente da república. Eu simplesmente queria ser jornalista. De jornal impresso mesmo. Uma espécie em extinção.

E essa paixão eu devo a meu pai. Sempre cercado de jornais e revistas. E livros. Guardou vários deles desde a época da faculdade de direito com a esperança que eu seguisse o mesmo caminho. Ele se formou advogado, porém pouco exerceu a profissão. O que lhe dava prazer era ser cronista esportivo.

Além dos jornais, tinha muito contato com gravadores e fitas K7. Mas era do papel que eu gostava. Nunca me esqueço que contava os dias da semana para ler o suplemento infantil do jornal que ele assinava. E lembro do primeiro jornalzinho que fiz para minhas bonecas lerem. Minhas Barbies eram mais informadas que muita gente!

Quando terminei o terceirão, aos 16 anos, fiquei em dúvida: letras ou jornalismo? Minha timidez talvez seria um impedimento para cursar comunicação social, mas esse curso foi minha primeira opção. Durante a faculdade, fiz estágio no Caderno G, da Gazeta do Povo, e descobri minha vocação. Nunca me esqueço do dia em que o escritor e roteirista Valêncio Xavier se aproximou de mim e disse: “Você tecla como se estivesse tocando piano”.

No entanto, não me formei empregada (por conta da minha cabeça dura e alguns mal-entendidos). E demorou quase quatros anos para eu realizar meu sonho. Por causa de uma vizinha, conheci a Ana, que era repórter do extinto Diário Popular (e depois virou editora-chefe). Graças a elas, eu consegui uma vaga de repórter. A proposta era escrever para a editoria de Cultura. Minha empolgação era enorme. Só que….me chamaram pra conversar e…”você topa fazer policial?”. Hmm…como é que é? Repórter policial? Eu entendi bem?

A vontade de ser repórter era tanta que aceitei o desafio antes de pensar se daria conta. Para isso, porém, era preciso passar no teste. Teste prático para ver se eu aguentaria o tranco. O combinado era que o Adilson, o fotógrafo, me avisaria pelo celular sobre um “C4” (código da polícia para “morte violenta” – hoje eu dirijo um C4 e nunca me esqueço do código).

Nessa época, eu trabalhava de revisora numa agência de publicidade. Lembro que o Adilson passou na agência com o carro da reportagem. Então fui lá para o Bairro Alto (acho que era esse o bairro). Um acidente de moto. Com criança envolvida. Isso foi em 2005. A criança foi socorrida e o pai dela estava lá: estatelado no asfalto.

Quando cheguei ao local do acidente, tentei não prestar muita atenção aos detalhes. Entrevistei quem eu tinha que entrevistar e voltei para o trabalho. Precisava escrever a matéria, que foi publicada. Talvez eu tenha ainda o recorte do jornal guardado numa pasta qualquer.

Enfim, consegui o emprego e me tornei repórter policial, função que assumiria por quase nove anos ininterruptos. E até hoje eu me pergunto como suportei ver tanta dor.

 

 

 

O inglês de carne e osso

Preciso entregar um texto sobre o Coldplay desde o ano passado, quando assisti ao documentário a “Head Full of Dreams” sobre os 20 anos de estrada da banda inglesa. Estou adiando devido ao turbilhão de acontecimentos que transformaram minha rotina nos últimos três meses. Mas agora, talvez, eu consiga. E quem sabe começando por aqui.

Tenho uma história com Coldplay. Eu e milhões de fãs ao redor do mundo, é claro. Mas toda vez que eu ouço Coldplay, volto no tempo em que a MTV transmitia os clipes da banda. Volto no tempo quando minha mãe descobriu que tinha câncer. E aí minha história começa.

É claro que eu já conhecia “Yellow”. Quem não conhecia? Aliás, o primeiro álbum é espetacular. Redondinho. E o documentário mostra bem como Chris Martin tinha certeza que chegaria ao topo. Predestinado.

“Nobody said it was easy”. “The Scientist”. Segundo álbum do Coldplay. A Rush of Blood to the Head. 2002. Se não me engano, foi por causa do clipe dessa música na MTV (saudosos Top 10, Top 20) que minha mãe conheceu a banda. É triste e inesquecível. Sobre um acidente de carro filmado de trás pra frente. “I’m going back to the start”. A letra termina assim.

“Clocks”. Lembro da minha mãe assistindo ao clipe dessa música todo santo dia. Menos triste. “Confusion that never stops/The closing walls and the ticking clocks”.

2007. Show do X&Y (terceiro da banda) no Via Funchal, em São Paulo. Comprei meus ingressos pela internet. Tinha um PC 486 com dial-up. A primeira tentativa não deu certo. Entrei no site novamente e lá se foram meus assentos. Consegui comprar na quarta fila (se não me engano). R$ 400 na VIP. Duas inteiras. Uma fortuuuuna hoje, imagine na época. Paguei com meu salário de editora.

Perto dos shows do Coldplay que lotam estádios hoje em dia, os de 2007 foram superintimistas. No Via Funchal, cabiam 2.700 sortudos. E foi simplesmente inacreditável. Sentei do lado de uma menina de Manaus. E no final do show, saímos da fileira e fomos para a frente do palco. De cara com a banda. Tocamos na mão do Chris.

Só me arrependo de não ter levado máquina fotográfica. Total absurdo. E minha tia, que morava em SP, ainda conseguiu assistir ao final do show de graça e registrou umas fotos pelo celular dela (que não era um BlackBerry, top na época).

Extasiadas, pegamos um táxi para voltar pra casa dela. Só que não. Fomos nós para o bar do hotel na Oscar Freire (acho que era o Fasano) onde a banda estava hospedada. Mas, calma, eu não queria tietar. Afinal, estava sem máquina fotográfica. Eu tinha um propósito.

O bar estava vazio. E, sinceramente, achava impossível chegar perto dos caras. O máximo que podia acontecer era jantarmos e pronto. Lembro que eu pedi um Cosmopolitan ao estilo Sex And The City e que havia um trio tocando bossa nova.

Até que…de repente… Chris Martin, ele mesmo, aparece em carne e osso. Eu não sabia o que fazer. Disfarcei. Ele ficou lá curtindo uma musiquinha e….foi embora. Eu fui atrás. Precisava falar o verso de “Clocks” adaptado.

E o mais incrível foi que um rapaz que trabalhava no hotel me ajudou. Me lembro perfeitamente do Chris, com quase 1,90 de altura, cabelos encaracolados, olhos azuis. olhando pra baixo, em minha direção. Eu mal conseguia falar português, imagina inglês. Mas ele captou a mensagem (o rapaz do hotel me ajudou de novo). “Am I part of the cure, or am I part of the disease?”, diz o verso de “Clocks”. E eu consegui falar pro Chris, em inglês, que ele foi parte da cura da minha mãe. Ele deu um sorrisão. I got it!

E assistindo ao documentário, dia 14 de novembro de 2018, lembrei-me de tudo. Soube que X&Y foi o álbum de uma fase difícil da banda, depois do estrondoso sucesso que foi o segundo disco. Assim, tudo fez mais sentido. Até o fato de eles se apresentarem de preto. E quando tocou “Yellow”, é claro, eu chorei. E no cinema, nos letreiros, eu chorei ouvindo “The Scientist” ao lado da minha mãe.

E graças à minha tia, tenho uma recordação com poucos pixels, mas com uma resolução de vida incrível!